segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Adotada e Amada

O meu nome é Simone, sou fruto de uma gravidez indesejada e logo que nasci não fui bem recebida no barraco de barro e palha onde minha mãe biológica vivia com mais 11 sobrinhos, ela não me sustentaria com o trabalho que tinha na colheita de algodão e com 15 anos não saberia como fazer isso sozinha. Quando ela ia trabalhar na colheita, cavava um buraco na terra, espetava uma guarda-chuvinha e me colocava lá dentro enquanto trabalhava.

O meu pai biológico, além de não me aceitar e ter problema com bebidas, ainda batia muito em minha mãe biológica. Ele tinha outra mulher e outros filhos.

Depois de muitas brigas e chantagens, Valda não encontrou saída melhor do que me entregar para quem queria. Fui abandonada na Santa Casa de Taquarituba e em pouco tempo eu estava desenganada com um estágio de desnutrição e anemia muito grave, além de infecção urinária e intestinal.

Eu estou viva e estou feliz!Sabe porque? Porque ao mesmo tempo em que Deus me via partindo lá em Taquarituba, Ele também estava vendo a Denise e o Edson, que perderam três bebês durante a gestação, inclusive uma delas eram gêmeos.

Deus também estava vendo o Júnior, pedindo muito um irmão, porque o único que ele tinha era o Robin (seu cachorrinho).

Eu já estava com 5 meses e pesava 2,200 kg, aproximadamente,com roupa.
Qualquer pessoa que me viu naquela situação achou irreversível essa situação, mas para Deus NADA é impossível.Através de Iara (irmã de Denise) que morava em Taquarituba, Denise, aqui em São Paulo ficou sabendo que uma garotinha tinha sido abandonada, porém sem detalhes sobre a saúde em que eu me encontrava.

Desejando muito um filho, Denise e Edson não tinham dúvidas, foram para Taquarituba buscar sua filha. Nesse mesmo momento Iara que já havia perdido uma filha com 12 anos, pensou e disse para sua irmã Denise:
- Dê, se você não quiser ficar com ela, eu fico. Eu estava pensando aqui... É muito triste quando sai um caixãozinho de casa.
Denise e Edson disseram que não, a decisão já estava tomada e eu já era deles!

Mas e quando me viram?
Quando viram que meus olhos além de estrábicos quase não se moviam, que minha respiração estava fraca e que só era percebida se colocasse um espelhinho na frente, que a sujeira daquela terra vermelha da colheita em meu corpo era tão grande que parecia fazer parte da minha pele?Eles iriam me aceitar assim e correr o risco de sofrer novamente por perder mais um bebê?Qual foi a reação que tiveram?
CHORARAM!Choraram e muito!De emoção...Eles me quiseram e me amaram a partir daquele momento.
Claro que alguns sacrifícios foram feitos, porque eu não resistiria àquela viagem. Ficaram algum tempo em Taquarituba, me adotaram e cuidaram de mim.
Assim que chegaram em São Paulo, me levaram em médicos conhecidos e a maioria dizia que minha mãe só poderia estar louca por adotar uma criança no meu estado.
Ainda aqui em São Paulo, receberam uma ligação da juíza responsável por adoção em Taquarituba, estava desconfiada de que se tratava de tráfico de crianças, devido à rapidez no processo de adoção. E lá vai a família de volta a Taquarituba prestar esclarecimentos. Assim que a juíza me viu, pediu mil desculpas e também se emocionou. Quem traficaria uma criança no meu estado?
Meus pais já me amavam e para o meu irmão (Júnior) eu era uma princesa!Ora bolas! Uma princesa desnutrida, estrábica e quase sem movimentos, mas uma princesa!
Família e amigos se emocionavam quando me conheciam. Alguns agiam como se fosse uma caridade feita pelos meus pais, mas eles costumam me dizer que todas essas pessoas mal poderiam entender o bem que também fiz a eles.
Meus pais não queriam que as pessoas chorassem, esperavam que sentissem a mesma alegria que eles, que me amassem como eles e que não tivessem pena de mim.
Um ano passou e eles revezavam ao sair, porque qualquer vento mais forte poderia afetar minha saúde. A minha alimentação foi controlada até na maneira de ser introduzida em minha boca, pois aquela doença conhecida como "sapinho" (são como aftas), havia me tomado toda a boca e garganta. Algumas vezes era necessário o conta-gotas.
Durante a noite, meus pais ficavam preocupados, porque não dava para ouvir meu choro ou minha respiração, então colocavam um espelhinho na frente do meu nariz para ver se ele ficava embaçado, assim estava certo de que eu estava respirando.
Por todo esse ano, privaram-se de qualquer aniversário, festinha ou lazer até que minha saúde estivesse BOA.
Até que fiquei forte, gorda, meus olhos criaram movimentos e eu não era mais estrábica, restava apenas saber se haveria alguma seqüela por causa da desnutrição, mas isso só o tempo mostraria.
Quando meus dentinhos começaram a nascer, surgiram escuros e fraquinhos devido à medicação de antibióticos que eu ingeria, mas foi garantido que na segunda dentição nasceriam normais.
Completei um ano e eu andei sem que alguém pudesse ver. De repente eu apareci segurando as pernas da minha mãe enquanto ela abria a porta para os primeiros convidados. Ela levou dois sustos...Um por eu estar andando e outro porque não conseguiu descobrir como consegui sair do chiqueirinho.
Eu não tenho fotos de quando era recém-nascida!Na verdade nem foram tiradas! Porque guardar lembranças de uma fase ruim se tantas boas viriam pela frente?
Você conseguiu ler até aqui? Muito bem, porque minha vida é muito mais do que isso, minha vida foi um presente de Deus, minha família é um presente de Deus e até hoje venho recebendo graças e bênçãos. Não tenho vergonha e não tenho revolta por ser filha adotiva, eu sou a filha do coração, a que foi escolhida.
Já estava quase me esquecendo. Com toda essa alegria e com a cabeça ocupada comigo, minha mãe Denise conseguiu engravidar novamente, 3 anos depois o Thiago nasceu. Cuidei muito dele, me sentia uma mãezinha e até hoje ainda cuido desse menino com muito amor, apesar de já ser um homem enorme.

Tenho muito orgulho da minha família que não é diferente das outras por esse motivo, ela é diferente porque entregamos nossos sonhos nas mãos de Deus e Ele estará conosco no momento de realizá-los.
Conversamos abertamente sobre adoção, não apenas com meus pais, mas com meus tios, primos e irmãos. Nunca me esconderam nada e desde pequenininha eu sabia que era a filha do coração.
Temos discussões e problemas como qualquer outra, mas temos muitos momentos de felicidade e amizade. Meu pai se chama Edson e minha mãe se chama Denise, os meus irmãos são o Júnior (31) e Thiago (19).
Eu também tenho uma irmã (a única biológica), porque minha "mãe" biológica, além de dar a luz a mim com 15 anos, com quase 14 anos ela havia tido mais uma filha e que já havia sido entregue para a Iara (irmã de Denise). Durante a gestação da minha irmã, o Zico (pai biológico) dava cintadas na barriga da Valda. Portanto ela também não foi bem - vinda naquele lar.
Hoje a minha irmã é minha prima também.
Quando completei 15 anos e minha irmã 17, fomos para Taquarituba acabar com a curiosidade e saber como era nossa mãe biológica. Conhecemos uma moça de 30 anos com uma aparência de 50, cabelos loiros e lisos e não chegava a ter nem 1,50 de altura. Era tão magrinha que as roupas velhas que usava ficavam largas, quase não ouvimos a voz dela, apenas víamos as lágrimas que escorriam do seu rosto envelhecido pelo sol e a cabeça baixa que deixava claro todo o sofrimento de uma vida. Não sei o motivo pelo qual chorou, mas sei que deve ter sido muito forte. Suas mãos ásperas e calejadas mostravam que o trabalho sempre foi pesado.
Fiquei sabendo que, atualmente, Valda cuida de seus sobrinhos enquanto o Zico trabalha como pedreiro. Não guardo rancor, nem mágoa ou tristeza, porque a melhor a atitude que ela tomou foi ter entregado eu e minha irmã para adoção. Muitos motivos podem ter feito com que ela tomasse essa atitude: depressão, medo, submissão e ninguém poderá julgá-la por isso,nem eu.
Hoje eu tenho 25 anos, 44 quilos, 1,51 m, sou formada em Design de Interiores e Pedagogia.
Com o tempo fui descobrindo tudo que a ADOÇÃO interferiu na minha vida e com muito carinho, estou escrevendo um LIVRO que será dedicado aos meus pais, que com tanto amor me criaram.
Minha intenção é acabar com o preconceito e o medo que muitas famílias possuem em ADOTAR. Jamais pense em adotar por caridade, solidariedade ou pena. Adote quando estiver preparado para ter em casa um FILHO, pelo qual nunca fará diferença o tipo de sangue, a nacionalidade ou cor. Permita que seu filho saiba da verdade, que ele estude, tenha um ambiente acolhedor e sem preconceitos para que cresça saudável de corpo e alma.
Muitas vezes buscamos sonhos e quando surge a oportunidade de realizá-los, recusamos porque encontramos dificuldades. A minha mãe sonhava em ter filhos e como TODA mãe, esperava que nascesse uma criança linda e saudável, mas felizmente todo o sofrimento que ela passou para tentar engravidar permitiu que ela olhasse ao redor e visse um outro caminho que também levava a esse sonho.
Devemos ter um objetivo para ser alcançado e não devemos ter pressa, pois nada acontece se não for da vontade de Deus. Porém, devemos ter sabedoria o bastante para não nos acomodarmos e simplesmente ESPERAR, é preciso tirar as vendas dos olhos e procurarmos outros caminhos e outras maneiras de realizar aquilo que tanto sonhamos.
Deus já havia traçado meu caminho antes mesmo de nascer, minha família já estava me esperando em outro lugar, por isso eu acredito que existe uma missão preparada para mim e tenho certeza que estou no caminho certo.